Palavras-chave de 2016: guerra, traição, cinismo, arrogância, ressentimento, fascismo

Fazer balanços do ano é temeridade, como fazer prognósticos. Mas 2016 é especial, o pior, dado o volume de coisas negativas acumuladas. Farei uma tentativa a partir de algumas “tags”, locais e globais

Por Flavio Aguiar

Fascismo

Esta é a mais evidente de todas, no Brasil e no mundo. Há um renascimento do tônus fascista, com os autoritários de direita capitalizando o sentimento de frustração e precariedade de muitas parcelas da população que se sente ameaçada por várias razões: a ascensão de classes mais baixas (Brasil), o endividamento e perda de empregos (Estados Unidos, Europa), a presença ameaçadora de estrangeiros “penetras” (Estados Unidos, Europa). Isso leva a um favorecimento de soluções ditatoriais, Estados de exceção, perseguição a “indesejáveis”, sejam eles muçulmanos na Europa, pobres no Brasil, palestinos em Israel, ainda judeus em muitos lugares da Europa… Enfim, ano complicado desses pontos de vista.

Guerra

A política, versão século 21, continua sendo um prolongamento da guerra, ao contrário da fórmula clássica, em que esta prolonga aquela. No Brasil de hoje, a política do atual governo é um prolongamento da guerra das classes ricas e abastadas contra os pobres e remediados, e ao PT, é claro. No mundo, as guerras mais recentes destruíram países como a Líbia, o Iraque, a Síria. Neste último caso, houve uma reversão de expectativas. O governo de Bashar al-Assad recuperou a iniciativa tomando a cidade de Aleppo. Está em posição vantajosa agora, com apoio da Rússia, do Irã e uma aceitação de momento por parte da Turquia. A ver o quanto dura.

Traição

No Brasil nem é bom falar. Temer traiu Dilma e o povo. O PSDB sonha em trair Temer. Promotores, juízes, policiais federais traem a Constituição a toda hora, inclusive no Supremo. Sartori traiu o Rio Grande. Doria trai o bom senso.  Cunha foi traído por seus cúmplices. Nossa, a lista ainda iria longe, se eu fosse até o fim.

Mas no mundo as coisas não estão melhores. A socialdemocracia europeia continua traindo os ideais de sua fundação e vai afundando com a traição. Veja-se François Hollande. Donald Trump se apresenta com o candidato dos deserdados, mas escolhe para sua equipe o pior que o mundo das finanças e dos falcões norte-americanos pode apresentar. Há um liberô generalizado do “esqueçam o que eu escrevi, o que eu disse etc.”. FHC, maior traidor de si mesmo, que o diga. Neste mundo, só a mídia conservadora brasileira é fiel: trai o jornalismo sério todos os dias, com a maior cara de pau. Mente descaradamente nas manchetes e nos editoriais, para não falar nos artigos de fundo. É bom saber que alguém continua fiel a si mesmo.

Cinismo

Atingiu o ápice. Declarações como a de que o Brasil vai melhorar em 2017, que o que está se fazendo hoje (instituindo o caos) vai trazer a prosperidade para o país etc., tudo isso envolve doses maciças de cinismo. Mas não se pense que o mundo é melhor. Basta ver o que Trump sai declarando por aí, e o modo como Netanyahu recebeu a condenação (afinal) dos assentamentos ilegais em território palestino pelo Conselho de Segurança da ONU.

Arrogância

O tema do cinismo nos levou a esta outra palavra-chave: arrogância, que parece estar se tornando condição sine qua non para se fazer política. A arrogância envolve o desprezo pelo bom senso e pela razão. Ela pode mover a cruzada xenófoba de Marine Le Pen e Gert Wilders, o neomilitarismo de Shinzo Abe, a confraria de  certezas de Trump, a mediocridade de Temer, Padilha etc., a pequenez provinciana de Dallagnol e Moro, a empáfia de Gilmar Mendes… tanta coisa!  Ela se apoia no tema seguinte, o…

Ressentimento

De rico contra pobre que lhe roubou uma década e quase meia de governo do Brasil, idem classe média abonada que não suporta ser antecedida por pobre na fila do aeroporto, do sorvete no shopping ou ver seu filho ficar sem a vaga dada a um negro ou um pobre na universidade (nesta ordem de importância). Esse ressentimento, hoje em escala mundial, é o caldo de cultura do fascismo que abriu este post. No mundo inteiro.

Para não dizer que não falei de flores… Falo agora de umas palavras positivas.

Paz

Na Colômbia. Um presidente conservador selou a paz do ano com as Farc. Prova de que também pode haver pensamento possível no conservadorismo.

Esquerda

Decididamente, o papa Francisco hoje se converteu no líder da esquerda mundial, com seu estilo desabrido, franco, aberto, tolerante. Hexa quem reclame de certas atitudes dele, por exemplo, em relação ao papel das mulheres, o aborto, o casamento de pessoas do mesmo sexo… Mas deve-se levar em conta que ele é papa, não dirigente da fração trotskista de algum partido de esquerda. Ninguém é perfeito. Que Deus – Alá, Tupi, Buda, Ogum, o Big Bang etc. – preserve a sua saúde, sobretudo contra o Banco do Vaticano e o chazinho da meia-noite.

Juventude

Teve papel saliente, na campanha de Bernie Sanders, nos Estados Unidos, e na resistência ao golpe no Brasil. Que esta galera continue assim, unida, nada tendo a perder senão seus grilhões mentais.

Fonte: Rede Brasil Atual.