Revolução e Cultura – Filmes Clássicos e o Debate Cultural na Revolução Soviética – Lúcio Costa

 Apresentação

Lúcio Costa

A seguir se traz uma seleção de filmes soviéticos clássicos que, dirigidos pelos mais relevantes cineastas soviéticos contam a história das lutas sociais e das revoluções de 1905 e 1917.

Os filmes trazidos em linguagem nos mais das vezes ousada e inovadora contam a história de lutas das classes trabalhadoras da Russia e relevam da força criativa da nascente socieda pós-capitalista que, uma vez livre das amarras da opressão da autocracia czarista deu origem a um vibrante movimento cultural que vivenciou acalorados debates os quais envolveram não apenas aos intelectuais, mas também aos dirigentes da Revolução.

A contribuição de Leon Trotski, então um principais dirigentes da Revolução, as discussões sobre arte e revolução ganhou corpo na obra “Literatura e Revolução” que escrita nos verões de 1922 e 1923 veio a público em 1924.

O livro é assaz interessante tanto, pelo fato de ter sido escrito pelo Comissário da Guerra do Governo Soviético então as voltas com necessidade de reconstrução economica dada a destruição provocada pela guerra civil equanto, pelas opiniões nela expressas – em tudo distantes da noção de uma “cultura proletária” oficial dirigida pela burocracia do partido e do estado.

Os filmes e o livro ofertado bem como, os singelos comentários que lhes acompanham, se destaca, são tão somente um convite a conhecer a cultura e os debates que viveu a sociedade soviética nos tempos da juventude da Revolução.

As leitoras fica o convite a irem atrás, a realizar viagens pelo fascinante universo cultural daqueles homens e mulheres que se puseram o desafio de parir um novo mundo.

Um bom divertimento e uma boa leitura.

Filmes Soviéticos Clássicos

A Greve (1924) – Sergei Eisenstein

Neste filme, o primeiro longa-metragem de Eisenstein, já se revela a genialidade que ganhará corpo em o Encouração Potemkin.

No filme, que se passa Em 1912, durante o governo do Czar, um operário se mata após ser injustamente acusado de roubo e esse é o estopim para o início de uma greve que será brutalmente reprimida pela polícia.

A Mãe (1926) – Vsevolod Pudovkin

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Em 1927,  Vsevolod dirigiu “A Mãe”, baseado no romance de Maksim Górki, que retrata uma revolta de proletários e a história de uma família. Sua principal técnica para criar caracterizações não foi a atuação, mas a edição, o que motivou a famosa citação sobre Pudovkin: “Ele fez no cinema o que Dickens fez nos romances”.

Em 1978, os críticos de cinema classificaram “A Mãe” como número 03 na lista dos 100 melhores filmes da história do cinema.

Encouraçado Potemkin (1925) – Sergei Eisenstein

Considerado um dos mais importantes filmes da história do cinema, assim como, possivelmente, a maior obra de Eisenstein, Encouraçado Potemkin conta a história do navio russo Prince Potemkin durante a revolta de 1905.

A obra-prima que Eisenstein, aos 27 anos, foi contratado para fazer para o 20º aniversário da primeira revolução russa, revelou-se revolucionária não apenas em sua forma, mas também em sua trilha sonora eis que, a partitura foi escrita por Edmund Meisel, um compositor futurista radicado em Berlim.

O Fim de São Petersburgo (1927) – Vsevolod Pudovkin

O Fim de São Petersburgo - 13 de Dezembro de 1927 | Filmow

Encomendado para comemorar o décimo aniversário da Revolução de Outubro , O Fim de São Petersburgo seria um dos filmes mais famosos de Pudovkine.

O filme faz parte da trilogia revolucionária de Pudovkin, ao lado de Mother (1926) e Storm Over Asia (também conhecido como The Heir to Genghis Khan ) (1928).

O Fim de São Petersburgo cobre o período de 1913 a 1917. O filme não mostra as figuras políticas da época; a ênfase está na luta das pessoas comuns por seus direitos e pela paz contra o poder do capital e a autocracia.

Outubro (1928) – Sergei Eisenstein

O filme, junto com O Fim de São Petersburgo foi encomendado para o décimo aniversário da Revolução. 

Originalmente lançado na União Soviética como Outubro , o filme foi reeditado e lançado internacionalmente como Ten Days That Shook The World , após o popular livro de Jonh Reed (1919) sobre a Revolução. 

As Aventuras Extraordinárias de Mr. West no País dos Bolcheviques (1924) – Lev Kuleshov

Image gallery for The Extraordinary Adventures of Mr. West in the Land of  the Bolsheviks - FilmAffinity

Neste filme, Kulesshov nos conta sob a forma de sátira a história de Mr. West, presidente da ACM que desejando viajar à União Soviética é aconselhado por seus amigos sobre os terríveis perigos do bárbaro país e os “selvagens e loucos russos”. Essa comédia burlesca de Lev Kuleshov fala sobre a visão dos americanos sobre os russos.

Lenin em Outubro (1937) – Mikhail Romm

Neste filme estamos em 1917. A Frota do Báltico e unidades do Exército estão sublevadas contra o governo Kerenski, unindo as vozes às dos operários/as e camponeses/as que exigem paz: a saída da Rússia da guerra mundial. Lenin chega a Petrogrado num trem vindo da Finlândia e na reunião do Comitê Central, de 10 de outubro, derrota as resistências de Zinoviev, Kamenev e Trotsky para deflagrar a insurreição. Paralelamente, as forças contrarrevolucionárias organizam uma caçada para matar o líder dos bolcheviques. Os acontecimentos se precipitam em ritmo veloz até o momento final: sob as bandeiras de “Pão, Paz e Terra!” e “Todo Poder aos Sovietes!”, a Revolução de Outubro triunfa.

O fato do filme ter sido produzido sob os canones do realismo socialista e ao tempo do auge das purgas estalisnistas explica tanto, a indevida inclusão na pelicula de Trotsky entre aqueles que resistiram a insurreição de Outubro quanto, o tom hagiográfico dispensado a Lenin na obra.

O Debate Cultural na Revolução Soviética

A Revolução Soviética ao por fim ao império czarista não apenas fez por destruir as bases daquele poder , o latifundio, a vassalagem aos imperialismo britânico e francês, mas fez emergir um vigoros movimento cultural em todas as áreas como, por exemplo, no cinema e no teatro.

Os acalorados debates daqueles tempos envolveram não apenas artistas e inteletuais, mas também os principais dirigentes da Revolução.

Leon Trotski escreveu Literatura e Revolução nos verões de 1922 e 1923. A obra veio a público em 1924.

Moniz Bandeira no prefácio a Literatura e Revolução resenha a opinião de Trotsky nos seguintes termos:

O Partido Comunista, no seu entender, não deveria interferir nas controvérsias e disputas entre as diversas escolas, assumir a posição de um círculo literário, concorrendo com outros, mas salvaguardar os interesses históricos do proletariado no seu conjunto. Como se previsse a degenerescência do stalinismo — que posteriormente criou uma arte oficial, na verdade acadêmica e burocrática, sob o epíteto de “realismo socialista” —, Trotski proclamaria: a arte não constitui um terreno no qual o Partido possa ser chamado a mandar. O Partido pode e deve conceder um crédito de confiança aos diversos grupos que procurem sinceramente aproximar-se da Revolução, a fim de ajudá-los em sua realização artística.

Assim, para Trostsky não se de há de ceder ao “o desejo de dominar a arte por meio de decretos e prescrições”.

Como se percebe, na análise da relação entre arte e política, ao recusar o autor a ideia de que o Partido deveria orientar a expressão artística se vislumbram sinais – ainda que ausente na compreesão de Trostky naquele momento o entendimento sobre a necessidade da preservação auto-organização popular e do pluralismo na construção do socialismo – das divergências quanto aos rumos que o Estado Soviético iria seguir após a morte de Lênin e o refluxo das lutas revolucionárias na Europa e, notadamente quanto a acentuação dos processos de crescente controle da burocracia do partido comunista e do estado sobre a sobre a sociedade e o proletariado soviético.

No Brasil o livro foi publicado pela primeira vez em 1968 pela Zahar Editores. A tradução e prefácio foram feitos pelo professor Moniz Bandeira. Posteriormente, em 2004, a obra ganhou apresentação de William Keach.

Abaixo traz-se a introdução de Trostky a Literatura e Revolução e link de acesso a integra da obra.

Boa leitura.

Introdução a Literatura e Revolução

Algumas considerações podem definir a atual situação da arte.

Se o proletariado russo, após a tomada do poder, não tivesse criado seu próprio exército, o Estado soviético há muito não existiria. E nós agora não pensaríamos nas questões econômicas, e muito menos nos problemas da cultura.

Se a ditadura do proletariado se mostrasse incapaz de organizar a economia e assegurar à população um mínimo vital de bens materiais nos anos que se seguiram à sua implantação, o regime soviético estaria então realmente condenado a desaparecer. A economia é hoje o maior dos problemas.

Mesmo a solução das questões elementares — alimentação, vestuário, habitação e educação básica — de forma alguma significaria a vitória total do novo princípio histórico, isto é, do socialismo. Só o progresso do pensamento científico em escala nacional e o desenvolvimento de uma nova arte mostrariam que a semente histórica não só germinou, como também floresceu. Nesse sentido, o desenvolvimento da arte é a maior prova da vitalidade e da importância de cada época.

A cultura alimenta-se na seiva da economia. É preciso, porém, mais que o estritamente necessário à vida para que a cultura se desenvolva e aprimore. A burguesia russa refreou a literatura muito rapidamente enquanto se fortificava e enriquecia. O proletariado será capaz de preparar a formação de uma cultura e de uma literatura novas, isto é, socialistas, não por métodos de laboratório, à base de pobreza, necessidade, da ignorância de hoje, mas a partir de meios sociais, econômicos e culturais consideráveis. A arte necessita de bem-estar e abundância. Os fornos ainda devem esquentar, as rodas devem girar mais rapidamente, as lançadeiras devem correr mais depressa, as escolas devem funcionar melhor.

A velha literatura e a velha cultura da Rússia eram a expressão da nobreza e da burocracia. Repousavam sobre o camponês. O aristocrata cheio de si e o nobre “arrependido” imprimiram seu selo sobre o período mais importante da literatura russa. Mais tarde apareceu o intelectual plebeu, apoiando-se sobre o camponês e o burguês, e ele também escreveu seu capítulo na história da nossa literatura. Depois de passar pelo período de extrema simplificação dos velhos narodniki [1], esse intelectual plebeu se modernizou, diferenciou e individualizou no sentido burguês do termo. Tal foi o papel histórico da escola decadente e do simbolismo. Desde o início do século, muito particularmente após 1907-08, a transformação da intelligentsia burguesa e da literatura se deu bem depressa. Patrioticamente, a guerra encerrou esse processo.

A Revolução destruiu a burguesia, fato que influiu de modo decisivo sobre a literatura. Esta, que se formara em torno de um eixo burguês, não existe mais. Tudo o que restou de mais ou menos viável no domínio da cultura — e isso é em particular verdadeiro na literatura — esforçou-se e esforça-se ainda por encontrar nova orientação. Se a burguesia não existe mais, o eixo só pode ser o povo sem a burguesia. Mas que é o povo? Antes de tudo o campesinato, uma parte da pequena burguesia das cidades e os operários, que não se podem separar do protoplasma popular do campesinato. É isso que exprime a tendência fundamental de todos os “companheiros de viagem” [2] da Revolução. É isso que se encontra no pensamento fulgurante de Blok. O mesmo em Pilniak, nos Irmãos Serapião, nos imaginistas que ainda vivem, bem como em alguns dos futuristas (Khlébnikov, Kruchênikh e V. Kamênski). A base camponesa da cultura russa, ou melhor, da falta de cultura, manifesta indiretamente toda sua força passiva.

A Revolução Russa é a expressão do camponês que se transformou em operário — que se apóia sobre o camponês e lhe mostra o caminho a seguir. A arte russa é a expressão do intelectual que hesita entre o camponês e o operário. E o intelectual é organicamente incapaz de fundir-se com um ou com outro, mas se inclina sobretudo para o lado do camponês, em consequência da posição intermediária de suas vinculações. Não se pode tornar mujique [3], mas pode mudar o mujique. E como não há revolução sem a direção do operário, surge a dificuldade fundamental no trato do assunto.

Pode-se afirmar que os poetas e escritores desses anos extremamente críticos diferem entre si pela maneira como fogem dessa contradição e pelo modo como preenchem os vazios: um pelo misticismo, outro pelo romantismo, o terceiro afastando-se com prudência, o quarto com um grito ensurdecedor. A essência da contradição permanece a mesma, independentemente da variedade de métodos para superá-la. Ela consiste na separação criada pela sociedade burguesa entre o trabalho intelectual, incluindo a arte, e o trabalho físico.

A Revolução, por seu turno, é a obra de homens que fazem trabalho físico. E um dos seus objetivos últimos é superar de todo a separação desses dois tipos de atividade. Nesse sentido, como em todos os outros, a criação de uma nova arte processa-se inteiramente segundo as linhas da tarefa fundamental para a construção de uma cultura socialista.

É ridículo, absurdo e mesmo estúpido, no mais alto grau, pretender que a arte permaneça indiferente às convulsões da época atual. Os homens preparam os acontecimentos, realizam-nos, sofrem os efeitos e se modificam sob o impacto de suas reações. A arte, direta ou indiretamente, reflete a vida dos homens que fazem ou vivem os acontecimentos. Isso é verdadeiro para todas as artes, da mais monumental à mais íntima. Se a natureza, o amor ou a amizade não se vinculassem ao espírito social de uma época, a poesia lírica há muito teria perecido. Uma profunda mudança na história — isto é, uma redistribuição das classes na sociedade — quebra a individualidade, situa a percepção dos temas fundamentais da poesia lírica sob um novo ângulo e, assim, salva a arte da eterna repetição.

Mas o espírito de uma época não trabalha de modo invisível e independente da vontade subjetiva? Certo. Esse espírito, em última análise, se reflete em todos: naqueles que o aceitam e o encarnam como naqueles que lutam desesperadamente contra ele ou se esforçam para dele se esquivar. Os que fogem desaparecem aos poucos. Aqueles que resistem apenas conseguem, no máximo, reanimar tal ou qual chama arcaica, porque a nova arte, colocando outros marcos e ampliando o leito da criação artística, somente poderá surgir dos que se identificam com sua época. Talvez se possa dizer, traçando-se uma curva da arte atual à arte socialista do futuro, que hoje apenas ultrapassamos o estágio de preparar essa própria preparação. Eis aqui um breve esboço dos grupos da literatura russa atual.

A literatura que se encontra fora da Revolução, dos folhetinistas no jornal de Suvorin aos mais sublimes líricos do “vale de lágrimas” aristocrático, está agonizante, como as classes às quais serviu. No que concerne à forma, ela representa genealogicamente o final da linha primogênita da velha literatura, que começou como literatura da nobreza e acabou como expressão puramente burguesa.

A literatura soviética mujique que canta o camponês, de modo menos claro, pode descobrir sua origem nas tendências eslavófilas e populistas da antiga expressão literária quanto à forma. Os escritores que cantam o mujique não saíram diretamente do campesinato. Não existiriam sem a literatura anterior, a da nobreza e da burguesia, da qual representam a linha mais jovem. Atualmente estão todos em processo de se ajustar à nova sociedade.

O futurismo constitui sem dúvida uma rejeição da velha literatura. Mas o futurismo russo não atingiu seu completo desenvolvimento no quadro da velha literatura, nem sofreu a adaptação burguesa que lhe valeria o reconhecimento oficial. Quando eclodiu a guerra e depois irrompeu a Revolução, o futurismo era ainda boêmio, como toda a nova escola literária nas cidades capitalistas.

Sob o impulso dos acontecimentos, o futurismo correu nos novos canais da Revolução. Pela sua própria natureza, não poderia gerar uma arte revolucionária. Mas permanecendo, sob certos aspectos, como negação revolucionária da antiga arte, contribuiu em grau maior, mais direta e ativamente que todas as outras tendências, para a formação da nova arte.

Por mais significativa que seja em geral a contribuição de certos poetas operários, a chamada “arte proletária” não fez mais que atravessar um período de aprendizagem. Ela espalha largamente os elementos da cultura artística, ajuda a nova classe a assimilar as obras antigas, ainda que de maneira muito superficial. Constitui assim uma das concorrentes que conduzem à arte socialista do futuro.

É fundamentalmente falso opor a cultura e a arte burguesas à cultura e à arte proletárias. Estas últimas jamais existirão, porque o regime proletário é temporâneo e transitório. A significação histórica e a grandeza moral da revolução proletária residem no fato de que ela planta os alicerces de uma cultura que não será de classe, mas pela primeira vez verdadeiramente humana.

Nossa política em relação à arte durante o período de transição pode e deve ser a de ajudar os diferentes grupos e escolas artísticas que nasceram com a Revolução a compreender corretamente o sentido histórico da época, e conceder-lhes completa liberdade de autodeterminação no domínio da arte, após colocá-los sob o crivo categórico: a favor ou contra a Revolução.

Hoje a Revolução só se reflete na arte de modo parcial, quando artistas e poetas novos e antigos deixam de considerá-la uma catástrofe exterior e, tornando-se parte do seu tecido vivente, aprendem a vê-la não de fora, mas de dentro.

O turbilhão social não se aquietará tão cedo. Temos diante de nós décadas de luta na Europa e nos Estados Unidos. Não somente os nossos contemporâneos participarão, mas também homens e mulheres da próxima geração. A arte desta época estará inteiramente sob o signo da Revolução.

Essa arte necessita de nova consciência. Antes de tudo, é incompatível com o misticismo, quer evidente, quer disfarçado em romantismo, porque a Revolução parte da idéia central de que o homem coletivo deve tornar-se o único senhor, e de que só o conhecimento das forças naturais e sua capacidade de utilizá-las poderão determinar os limites do seu poder. Essa nova arte é incompatível com o pessimismo, o ceticismo e todas as outras formas de abatimento espiritual. Ela é realista, ativa, vitalmente coletivista e cheia de ilimitada confiança no futuro.

29 de julho de 1924

Acesse aqui a integra de Literatura e Revolução