Na madrugada de 12 maio morreu Antonio Candido. Ele estava internado há quase uma semana no Hospital Albert Einstein. Nos deixou aos 98 anos.
Nascido no Rio de Janeiro, Antonio Candido foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros, crítico literário, ensaísta e sociólogo, foi Professor Emérito da USP e Unesp e doutor honoris causa da Unicamp e UFPE.
Na USP Candido ingressou no início dos anos 1940 tendo como colegas de universidade figuras como Florestan Fernandes e Aziz Ab’Saber.
Entre as suas obras estão a Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 1959; O observador literário, 1959; Tese e antítese: ensaios, 1964; Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida, 1964; Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária, 1965; O estudo analítico do poema, 1987; O discurso e a cidade, 1993; Vários escritos, 1970; e Formação da literatura brasileira, 1975. Antonio Candido deixa as filhas Laura e Marina de Mello e Souza.
Antonio Candido e Socialismo
Antonio Candido ao longo de toda a vida, combateu o bom combate e deixou um legado inspirador para quem luta pela justiça social.
Candido juntamente com Florestan Fernandes e outros pertenceu a uma geração que ajudou a construir reflexões que formariam o pensamento critico no Brasil do século XX.
Nos anos 1940 Candido militou no antigo Partido Socialista, ao lado de Florestan e Aziz.
Participou do Grupo Radical de Ação Popular, integrado também por Paulo Emílio Salles Gomes, Germinal Feijó, Paulo Zingg e Antônio Costa Correia, editando um jornal clandestino, de oposição ao governo Getúlio Vargas, chamado Resistência.
Dizia ele que a discordância teórica e prática dos comunistas do antigo PCB, seguidores do stalinismo e do real socialismo soviético, bastava para ser classificado como “trotskista”. “Era um xingamento”, ironiza ele, em depoimento ao documentário Marighela, de Isa Ferraz (2011).
Em suas escassas entrevistas nos últimos anos, fazia questão de observar que não necessariamente o socialismo experimentado, mas essencialmente as lutas socialistas travadas pela humanidade, foram responsáveis por avanços civilizatórios. “A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder.
O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar”, disse em entrevista de 2011 a Joana Tavares, no jornal Brasil de Fato:
“O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.”
Observava ele que se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola – “não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for” –, não precisa ser o socialismo.
“Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas.”
O futuro do país e do mundo, dizia Antonio Candido, a construção de um novo modelo como meio de superação das inviabilidades do capitalismo para a humanidade passa por uma nova reconstrução teórica:
“Seria algo como um ecossocialismo. Tanto movimentos ambientalistas quanto organizações socialistas ainda não se convenceram de que uma bandeira não tem futuro sem a outra, mas ainda não surgiram teóricos da linhagem da Marx para dar base teórica e sustentação prática para isso”.
Antonio Candido e o PT
Em 1980 Antonio Candido juntamente com Perseu Abramo e outros destacados intelectuais brasileiros participou da fundação do PT.

No PT, Candido compôs o Conselho Editorial da Fundação Perseu Abramo (FPA) de 1996 a 2002, nos primeiros anos da instituição, era um entusiasta dos livros e, no PT, foi colaborador assíduo dos coletivos de Cultura.
Na FPA, propôs e coordenou a coleção Clássicos do Pensamento Radical, onde publicou Mark Twain, Jack London, John Stuart Mill e William Morris – que em breve terá também Victor Hugo.
Em homenagem aos seus 80 anos, amigos, professores e pesquisadores se reuniram em um rico seminário promovido pela FPA e institutos da Universidade de São Paulo e transformado em livro, lançado em 1999 Antonio Candido – Pensamento e Militância, org. Flávio Aguiar, que em breve será reeditado.
Em uma avaliação precisa e atualíssima, ele assim definiu o papel da Fundação Perseu Abramo, no 15º aniversário instituição, em 2011:
“Como socialista, entendo que a militância política é inseparável da constante aferição ideológica. É o que a Fundação tem contribuído para assegurar ao Partido dos Trabalhadores. O pragmatismo puro e simples, que o ronda com frequência, pode acabar desviando o rumo das melhores intenções se não houver a aferição, expressa por meio de instrumentos como o livro, o periódico, o opúsculo, a internet, os cursos e eventos de vários tipos. Ao contrário dos regimes que procuram anular a reflexão e a crítica, a democracia, sobretudo de tendência socialista, que deve ser o nosso alvo, se alimenta e se aperfeiçoa por meio da análise, do debate, da troca e da comparação das ideias, desde as modalidades mais simples até as mais complexas. A Fundação tem exercido de maneira a meu ver exemplar essas atividades, contribuindo para que o Partido dos Trabalhadores possa ser um agrupamento político capaz de pensar para agir e de agir no rumo da verdadeira justiça social, com lucidez bem fundamentada e vigilância em relação às armadilhas do caminho”.
Veja o que disseram algumas personalidades sobre a morte de Antonio Candido
Marilena Chauí, filósofa e professora da Universidade de São Paulo
Pensador e escritor de primeira grandeza, homem de retidão moral e coragem
política, socialista convicto, professor inigualável e amigo generoso, sereno nas horas mais duras e amparo seguro dos perseguidos, Antônio Cândido concretizou em sua pessoa e com sua vida o ideal definido por ele do intelectual como aquele que se ergue contra o senso comum estabelecido, a desigualdade, a injustiça e a ausência de liberdade. Com sua morte, perdem as humanidades, perdem as esquerdas, perde o PT, perde o Brasil, perdemos todos.
Marcio Pochmann, professor da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo
A morte leva o corpo de um dos maiores brasileiros do século XX, mas sua trajetória, suas ideias e o compromisso engajado de um intelectual como Antonio Candido serão mantidos por muito tempo iluminando o caminho dos brasileiros que sonham com um país mais justo e democrático.
Paul Singer, economista
Grande autor e pensador brasileiro que nunca abandonou os ideais socialistas.
Luiz Inácio Lula da Silva
Tenho enorme orgulho de ter convivido com o companheiro Antonio Candido. O Brasil perdeu hoje mais do que um dos maiores intelectuais da nossa história. Perdemos um ser-humano excepcional, que dedicou sua vida à cultura, à democracia e à justiça social. E o fez com excelência em todos os campos. Foi um corajoso adversário de qualquer tipo de autoritarismo e já nos anos 40 fundou a União Democrática Socialista. Lutou contra a ditadura militar e durante toda sua vida se manteve fiel aos ideais da esquerda democrática. Não foi apenas fundador do PT, foi militante cotidiano do partido, um petista sempre presente no bom combate em defesa do desenvolvimento nacional. Participou da elaboração de programas de governo, viajou o país e teve uma importantíssima atuação a favor da transformação social e do direito dos trabalhadores.
Neste momento de pesar, transmito meu abraço fraterno aos familiares e amigos.
Flavio Aguiar, jornalista
A
ntonio Candido nos iluminou com seu imenso afeto pela inteligência, pelo amor ao Brasil e à América Latina como um todo, com seu espírito crítico, lúcido, lucidez que manteve até a morte, sem concessões para com esta cretinice direitista e idiota que hoje toma conta do Brasil. Foi e é o maior e melhor crítico literário do Brasil e dos maiores da América Latina e do mundo. Tive a honra de privar da sua amizade durante muitos anos. Posso testemunhar que sua inspiração socialista nunca esmoreceu.
Antonio Candido no Documentário o Povo Brasileiro
O documentário “O Povo Brasileiro”, foi dirigido por Isa Grinspum Ferraz e produzido pela produção da Fundação Darcy Ribeiro, TV Cultura e GNT, a partir da obra de Darcy Ribeiro O Povo Brasileiro: a Formação e o Sentido do Brasil, de 1995.
O documentário aborda, como o faz a obra do saudoso Darcy Ribeiro, o processo de formação do povo brasileiro. Nele Candido é o seu principal comentarista a falar da mistura entre portugueses e índios inicial; dos bandeirantes abrindo caminho para o interior, as gerais e a febre do ouro; da posterior mistura com a matriz afro, acrescentando a Congada, o Moçambique e o Batuque a uma cultura já rica, mostrada em trechos de filmes e fotos de época. Confira abaixo.
Com Fundação Perseu Abramo e Brasil de Fato