Reforma trabalhista: Menor autonomia do trabalhador sobre o tempo social, maior concentração de renda e desigualdade social. Entrevista especial com Ruy Braga

Por: Patricia Fachin

A não votação da MP 808/17, que estabeleceria novas regras sobre o trabalho intermitente e a jornada de mulheres grávidas em condições insalubres, entre outros pontos aprovados na reforma trabalhista que entrou em vigor no final do ano passado, demonstra que os setores favoráveis à reforma “não farão nenhum tipo de concessão, não estão absolutamente dispostos a negociar o que quer que seja, mesmo salvaguardas muito modestas e moderadas”, avalia o sociólogo Ruy Braga. Para ele, a votação da MP, que expirou na última segunda-feira, teria salvaguardado “questões absolutamente mínimas e, nesse sentido, seria importante que tivesse havido a votação da reedição da MP, pensando naturalmente no horizonte imediato, ou seja, naquilo que estamos vivendo neste e no próximo ano”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-LineBraga comenta as implicações dessas medidas e frisa que “a liberdade do contratante de demitir e recontratar imediatamente, por meio de terceirização ou do trabalho intermitente, é devastador para a classe trabalhadora brasileira, quer seja do ponto de vista da garantia da massa salarial da renda, quer seja do ponto de vista das jornadas e das condições de trabalho”. Entre as principais consequências do trabalho intermitente, ele explica que elas giram em torno da renda e da jornada de trabalho. “O trabalho intermitente é um expediente que comprime a renda do trabalhador, tendo em vista a porosidade da jornada de trabalho. Se você contrata alguém por intermédio de trabalho intermitente, você pode fazer com que ele receba apenas as horas trabalhadas e não aquilo que está previsto num contrato normal de trabalho”.

Ruy Braga destaca ainda que a reforma trabalhista aumentará as desigualdades entre os trabalhadores. “Não tenho dúvidas a respeito dos efeitos relativos à concentração de renda e à massa salarial no país. (…) É possível imaginar cenários levando em consideração os dados. Se você avalia os dados do trabalho terceirizado e do trabalho contratado que ocorria até 2015, é possível perceber que o nível salarial do trabalhador terceirizado era de 23% a menos do que o do trabalhador diretamente contratado. Isso nos indica um parâmetro, ou seja, o trabalhador terceirizado e submetido ao trabalho intermitente, provavelmente num período de tempo curto, perceberá seu salário cair em cerca de 20%”, compara. E lamenta: “O que se multiplicou foi o trabalho indecente, que avança sobre o tempo livre, com acréscimo da insegurança, que multiplicou o subemprego e a sub-remuneração, que não paga o mínimo para que as pessoas possam se manter”.

Ruy Braga | Foto: Surubim News

Ruy Gomes Braga Neto é especialista em Sociologia do Trabalho e leciona no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, onde coordenou o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania – Cenedic. É autor do livro A política do precariado(São Paulo: Boitempo, 2012). Recentemente publicouA rebeldia do precariado (São Paulo: Boitempo, 2017).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor avalia o processo político envolvido na não votação da Medida Provisória 808/17?

Ruy Braga – É importante frisar que o resultado era bastante previsível, porque as forças políticas e sociais, particularmente oriundas do empresariado brasileiro, já haviam aprovado a toque de caixa uma reforma trabalhista absolutamente draconiana, que representa o desmonte da proteção do polo protetivo do trabalho no país, que foi construído a duras penas entre 1930 e 1980. O resultado do desmonte desse polo protetivo, tendo em vista os interesses por detrás, não poderia ser menos exuberante do que a vitória cabal, sem nenhum tipo de concessão.

IHU On-Line – Hoje uma parcela dos trabalhadores liberais com formação universitária prefere trabalhar como PJ a trabalhar com carteira assinada, inclusive por conta da tributação. O que isso sinaliza?

IHU On-Line – O senhor tem dito que a reforma trabalhista terá como uma das suas consequências o aumento das desigualdades. Que pontos da reforma sinalizam para isso?

Então, quando se pensa no agregado, se percebe que a reforma trabalhista anuncia uma maior concentração de renda e uma menor autonomia sobre o tempo social do trabalhador. Esses são dois eixos nítidos que apontam na direção da desigualdade social. Poucos terão muita liberdade e acesso a rendas acrescidas e muitos não terão liberdade alguma de dispor sobre seu tempo social e perceberão sua renda diminuída. Evidentemente, esses são fatores de aprofundamento da desigualdade social.

IHU On-Line – O senhor faz alguma estimativa sobre as diferenças que vão existir entre os salários dos diferentes trabalhadores?

Ruy Braga – Não tenho dúvidas a respeito dos efeitos relativos à concentração de renda e à massa salarial no país. No entanto, é muito difícil fazer estimativas precisas a respeito de quanto a renda irá cair e quanto se concentrará. É possível imaginar cenários levando em consideração os dados. Se você avalia os dados do trabalho terceirizado e do trabalho contratado que ocorria até 2015, é possível perceber que o nível salarial do trabalhador terceirizado era de 23% a menos do que o do trabalhador diretamente contratado. Isso nos indica um parâmetro, ou seja, o trabalhador terceirizado e submetido ao trabalho intermitente, provavelmente num período de tempo curto, perceberá seu salário cair em cerca de 20%.

Em relação à jornada de trabalho, é notório que a jornada do trabalhador terceirizado é maior do que a do trabalhador diretamente contratado. Consequentemente, o que se prevê é que a jornada de trabalho vá se dilatar para o trabalhador intermitente e para o terceirizado nessa situação em que se pode terceirizar todas as funções. Esses são os indícios que podemos perceber para antever um futuro sombrio para os trabalhadores no país.

IHU On-Line – Quais o senhor diria que são os perfis dos trabalhadores de hoje? O trabalhador de hoje mudou em relação ao trabalhador de três décadas atrás? Ele prefere trabalhar de um modo mais autônomo, flexível, ou num formato tradicional?

Ruy Braga – É difícil prever. Não arriscaria nenhuma previsão com uma margem mínima de acerto. Tudo depende de uma combinação complexa entre solução progressista para o cenário eleitoral, que está nebuloso, uma mobilização dos trabalhadores, dos sindicatos e dos movimentos sociais, e uma solução para a crise econômica brasileira que está no horizonte. Consequentemente, é muito difícil prever o que vai acontecer em termos de reversão dessas tendências que verificamos até o momento. Parece-me que areforma trabalhista bem como a terceirização e o trabalho intermitente são propostas que vieram para ficar. Não vejo, num horizonte de curto prazo, uma reversão muito drástica desse cenário.

IHU On-Line – Na próxima terça-feira se celebra o dia do trabalhador. Que tipo de reflexão o senhor está fazendo sobre essa data simbólica, na atual conjuntura?

Ruy Braga – O 1º de maio celebra a utopia do mundo do trabalho no mundo todo e em especial no Brasil, e essa utopia está associada ao acesso a emprego, salário, direitos, proteção trabalhista, ou seja, a uma vida decente por meio do trabalho. Tendo em vista esse parâmetro, não temos nada a celebrar do ponto de vista do trabalhador. O que se tem hoje é um ataque a essa utopia e ao polo protetivo, a desestruturação do tecido social que une os trabalhadores e os setores subalternos. O que temos é um desmonte desse horizonte, que mercantiliza o trabalho e destrói seu valor de uso. Não temos nada a celebrar do ano que passou.

Com ADITAL e IHU