
A Exposição Tarsila Popular do MASP , de 05 de abril a 28 de julho de 2019, é a mais ampla exposição já dedicada à artista, reunindo 92 obras a partir de novas perspectivas, leituras e contextualizações.
Tarsila do Amaral (Capivari, SP, 1886-São Paulo, 1973) é uma das maiores artistas brasileiras do século 20 e figura central do modernismo.
De família abastada, de fazendeiros do interior de São Paulo, Tarsila desenvolveu seu trabalho com base em em vivências e estudos em Paris a partir de 1923. Por meio das aulas com André Lhote (1885-1962) e Fernand Léger (1881-1955), aprendeu a devorar os estilos modernos da pintura europeia, como o cubismo, para digeri-los e, de maneira antropofágica, produzir algo singular. É importante chamar atenção para a noção de antropofagia, criada por Oswald de Andrade (1890-1954): um programa poético através do qual intelectuais brasileiros canibalizariam referências culturais europeias com o objetivo de digeri-las e criar algo único e híbrido, além de incluir elementos locais, indígenas e afro-atlânticos.
De volta ao Brasil, declarou:
“Sou profundamente brasileira e vou estudar o gosto e a arte dos nossos caipiras.
Espero, no interior, aprender com os que ainda não foram corrompidos pelas academias”.
Exposição no MASP: “Tarsila Popular”
A exposição no MASP propõe uma viagem pela produção de Tarsila entre 1921 e 1969, passando também pela fase Social, que deixa clara a aproximação da artista com temas políticos. No início de 1930, já separada de Oswald de Andrade e casada com o psiquiatra Osório César, a pintora, empobrecida pela perda da fortuna familiar na Grande Depressão de 1929, teve de desfazer-se de obras de sua coleção particular e, assim, reuniu recursos para viajar à União Soviética e visitou Moscou, Leningrado e Berlim. Quando voltou ao Brasil, foi considerada suspeita de “atividades subversivas” por ter visitado países comunistas. Esses eventos marcaram sua produção de temática social, resultando em obras como Operários (1933) e Segunda Classe (1933), que exploravam as desigualdades sociais e raciais da sociedade brasileira.
O destaque da mostra é Abaporu (1928), a figura de pé dilatado e cabeça diminuta, que volta a São Paulo onde foi pintado depois de 11 anos (em 2016 o quadro esteve exposto no MAR, no Rio). A obra — tela brasileira mais valorizada no mercado internacional, estimada em 40 milhões de dólares— pertence ao Malba (Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires).
O “homem que come carne humana” (significado da palavra indígena abaporu) é o grande exemplo da assimilação, do canibalismo que fez Tarsila adaptar sua formação estética europeia à estética primitiva e à cultura tradicional brasileira. Ao lado de Urutu (1928) e Antropofagia (1929), essa tela traz a essência da fase antropofágica da artista na retrospectiva de São Paulo, composta por cerca de 120 obras, entre elas 52 telas e 40 desenhos.
O público poderá ver as obras mais importantes de Tarsila, com uma abordagem que a aproxima ainda mais dos brasileiros”, comemora Tarsilinha do Amaral. Uma dessas telas inéditas é Um Pescador (1925), que tem um colorido excepcional e trata de um tema bem brasileiro: um pescador num lago em meio a uma pequena vila com casinhas e vegetação típica. A obra —que foi exposta em Moscou, em 1931, e acabou comprada pelo Governo russo— é uma das que compõem uma das primeiras fases da artista, chamada de Pau Brasil, marcada por telas de cores e temas acentuadamente tropicais, como a exuberância da fauna e da flora locais, pintadas ao lado de máquinas e trilhos, símbolos, por sua vez, da modernidade urbana do país.
O Popular
O enfoque da exposição do MASP é o “popular”, noção tão complexa quanto contestada, e que Tarsila explorou de diferentes modos em seus trabalhos ao longo de toda a sua carreira.
“A ideia popular em Tarsila vem desde o início de sua produção, nos anos 1920, com essa busca pela ideia de Brasil, por uma identidade nacional, sem deixar de lado questões sociais, raciais e de classe.
A exposição e o catálogo que a acompanha pretendem promover reflexões mais abrangentes sobre essa produção, articulando vida e obra da artista sob visão política e social da cultura brasileira e do modernismo, um movimento que, no Brasil, raramente é abordado sob esses prismas”, diz Fernando Oliva, um dos curadores da exposição, ao lado de Adriano Pedrosa. Oliva explica a retrospectiva, que vem sendo preparada há dois anos, é a mais ampla exposição que percorre todas as fases da artista, além de contar com um catálogo que traz ensaios inéditos sobre a pintora.
Para estabelecer maior diálogo com o público, alguns dos textos que compõem o catálogo da retrospectiva também estão nas paredes, ao lado dos quadros. “É um tipo de recurso que utilizamos quando fizemos a retrospectiva Portinari Popular, em 2016, e que funciona bastante”, explica Oliva.
O popular está associado aos debates sobre uma arte ou identidade nacional e a invenção ou construção de uma brasilidade.
Em Tarsila, o popular se manifesta através das paisagens do interior ou do subúrbio, da fazenda ou da favela, povoadas por indígenas ou negros, personagens de lendas e mitos, repletas de animais e plantas, reais ou fantásticos. Mas a paleta de Tarsila (que serve de inspiração para as cores da expografia) também é popular: “azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante”.
“Em realidade, é possível ver esse retrato das classes menos favorecidas ao longo de toda a produção dela”, diz a sobrinha-neta. A artista que queria ser a pintora de seu país não teve medo de mostrá-lo, em toda sua glória e tristeza, ao mundo.
Com El Pais e MASP