Lula no Rio: ” uma parte da elite brasileira, não gosta e não acredita em democracia”.

O ex-presidente Lula participou, na noite de segunda-feira (11), de um ato contra o impeachment da presidente Dilma, em defesa da democracia, nos Arcos da Lapa, Centro do Rio.

Segundo estimativa da Central Única dos Trabalhadores (CUT), cerca de 50 mil pessoas estavam na Lapa às 20h45. Cerca de 30 minutos antes, começaram os discursos e shows em um palco armado nos Arcos. A PM não divulgou estimativa de público.

No ato da Cultura pela Democracia, o ex-presidente Lula afirmou que; “jamais” imaginou, aos 70 anos, “ver golpista tentando tirar uma presidenta eleita democraticamente”.

Lula voltou a criticar o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha:

“Vejam quem quer tirar Dilma. Primeiro, Temer; segundo, Cunha; terceiro, Geddel; quarto, Henrique Eduardo Alves. Eles mostraram a faceta de uma parte da elite brasileira, que não gosta e não acredita em democracia”.

Lula ressaltou que irá trabalhar como ministro para recuperar o país: “Nós vamos recuperar este país. Este país aprendeu a ser respeitado”, disse.

O ex-presidente ainda afirmou que a presidente Dilma Rousseff “aprendeu” que não deve governar com os olhos no mercado:

“Ela fez um ajuste que nenhum companheiro gostou. O mercado dela não é o banqueiro, é o povo trabalhador. Eles não deixam a Dilma governar, querem truncar a democracia”

Lula disse que nunca contestou resultado de eleições e voltou a criticar a imprensa: “Perdi em 89 roubado, com apoio da Globo, e fiquei quieto”

Cultura pela Democracia

Antes de ir para a praça ao ar livre, o ato “Cultura pela Democracia”, convocado pela Frente Brasil Popular, começou às 17h dentro da Fundição Progresso e lotou o centro cultural, que têm 5 mil lugares. Mais de dez discursos foram feitos e exibidos do lado de fora em umuntitled telão.

Falaram os dramaturgos Aderbal Freire Filho e João das Neves, os juristas Juarez Tavarez e Luiz Moreira, o ator Gregório Duduvier, a indígena Sonia Guajajara, o cineasta Luiz Carlos Barreto, o escritor Leonardo Boff, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, e os músicos Chico Buarque, Beth Carvalho, Tico Santa CruzFlávio Renagado e Nelson Sargento, que ganhou um beijo de Lula na cabeça. “Eu não ia dormir sossegado se eu não viesse aqui hoje”, declarou Sargento, aos 91 anos.

Como sempre muito esperado e aplaudido desde o início do evento, o cantor e compositor Chico Buarque falou três frases. “Não teria muito mais coisas a dizer do que já disse no Largo da Carioca (no dia 31). Já que cheguei aqui e fiquei besta quando vocês começaram a dizer ‘Chico eu te amo’, nós também amamos todos vocês e essa energia. Estaremos juntos em defesa da democracia. Não vai ter golpe”, disse Chico.

O cineasta Luiz Carlos Barreto, o Barretão, declarou que  o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff está sendo desencadeado pelos sonegadores de impostos do país. “Em 2015, a sonegação chegou a 415 bilhões de reais. São dez programas Minha Casa, Minha Vida que ficaram nos bolsos de quem sonega.”

Segundo Barreto, a tentativa de golpe contra Dilma precede “um segundo golpe que pretende impedir que o presidente Lula concorra nas eleições de 2018”. O cineasta pediu que as mobilizações não parem mesmo após os movimentos em defesa da democracia vencerem a “batalha do impeachment”.

Em um dos depoimentos mais emocionantes, o cantor e compositor de rap, funk, hip hop Flavio Renegado declamou um poema e afirmou: “A periferia está organizada. As comunidades nunca se calaram. O Brasil nunca ouviu as comunidades. Nós sempre sobrevivemos a tudo e vamos sobreviver ao golpe”.

O ator Wagner Moura apareceu em vídeo. Reconheceu que nunca votou em Dilma Rousseff, mas observou que a democracia está sofrendo ataques:

“Tenho sido um crítico duro do governo Dilma. Eu nunca votei nela, mas 54 milhões de brasileiros o fizeram. Se nossa democracia não fosse frágil, não estaria sendo atacada e correndo risco. Mas ela avançou, e isso graças aos governos Lula e Dilma.”

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse que a “mobilização é crescente no Brasil contra o golpe” dos que “namoram abertamente com o fascismo”. “A cada dia (o número) dos que são manipulados pelos meios de comunicação de massa é menor.” O ministro defendeu a construção de “uma ampla frente democrática” para enfrentar os problemas “depois de vencermos o impeachment”.

Beth Carvalho encerrou as falas com uma sugestão: “Proponho construir uma rede democrática de comunicação em defesa da legalidade tal como fez o inesquecível (Leonel) Brizola em 1961”. A cantora defendeu que essa rede tenha, como “cabeça”, a EBC, TV Brasil, Rádio Nacional, TVT, TVs educativas, rádios comunitárias “e todos os que quiserem participar e quiserem ajudar a derrotar esse golpe”.

Beth parabenizou a militância brasileira e relembrou que está “convicta da obrigação em defender a democracia”. Ao fim dos discursos, Beth Carvalho cantou uma música composta por ela: “Não vai ter golpe de novo, reage, reage meu povo”, dizia a letra.

O teólogo Leonardo Boff usou bom humor:

“É muito bom eu falar por último, para fazer o sepultamento do impeachment”, afirmou. “Eles também (os golpistas) falam em democracia. A democracia dos ricos. Democracia para os ricos nós não queremos. Queremos uma democracia social inaugurada por Lula e Dilma. Queremos uma democracia participativa, que enriqueça a democracia representativa, que vem de baixo, onde os movimentos sociais contam. A crise trouxe a pergunta: que Brasil nós queremos? As ruas estão mostrando.”

Antes, foi apresentado oficialmente um manifesto pela democracia, assinado por nomes como Chico Buarque, Leonardo Boff e os escritores Fernando Morais e Éric Nepomuceno. Também estiveram presentes os políticos Marcelo Freixo, Carlos Minc e Lindbergh Farias, entre outros.

Confira a íntegra do manifesto lido no ato:

Com este Manifesto estamos convocando a todos para um ato unitário em defesa da democracia. Será na próxima segunda-feira, dia 11 de abril, às cinco da tarde, na Fundição Progresso, na Lapa, Rio de Janeiro.

O que vivemos hoje no Brasil é uma clara ameaça ao que foi conquistado a duras penas: a democracia. Uma democracia ainda incompleta, é verdade, mas que soube, nos últimos anos, avançar de maneira decidida na luta contra as desigualdades e injustiças, na conquista de mais espaço de liberdade, na eterna tentativa de transformar este nosso país na casa de todos e não na dos poucos privilegiados de sempre.

Nós, trabalhadores das artes e da cultura em seus mais diversos segmentos de expressão, estamos unidos na defesa dessa democracia.

Da mesma forma que as artes e a cultura do nosso país se expressam em sua plena – e rica, e enriquecedora – diversidade, nós também integramos as mais diversas opções ideológicas, políticas, eleitorais.

Mas nos une, acima de tudo, a defesa do bem maior: a democracia. O respeito à vontade da maioria. O respeito à diversidade de opiniões.

Entendemos claramente que o recurso que permite a instauração do impedimento presidencial – isso que em português castiço é chamado de ‘impeachment’ – integra a Constituição Cidadã de 1988.

E é precisamente por isso, pelo respeito à Constituição, escudo maior da democracia, que seu uso indevido e irresponsável se constitui em um golpe branco, um golpe institucional, mas sempre um golpe. Quando não há base alguma para a sua aplicação, o que existe é um golpe de Estado.

Muitos de nós vivemos, aqui e em outros países, o fim da democracia.

Todos nós, de todas as gerações, vivemos a reconquista dessa democracia.

Defendemos e defenderemos, sempre, o direito à crítica, por mais contundente que seja, ao governo – a este e a qualquer outro.

Mas, acima de tudo, defendemos e defenderemos a democracia reconquistada. Uma democracia, vale reiterar, que precisa avançar, e muito. Que não seja apenas o direito de votar, mas de participar, abranger, enfim, uma democracia completa, sem fim. Em que cada um possa reivindicar o direito à terra, ao meio-ambiente, à vida. À dignidade.
Ela custou muita luta, sacrifício e vidas. Custou esperanças e desesperanças.

Que isso que tentam agora os ressentidos da derrota e os aventureiros do desastre não custe o futuro dos nossos filhos e netos.

Estamos reunidos para defender o presente. Para espantar o passado. Para merecer o futuro. Para construir esse futuro. Para merecer o tempo que nos foi dado para viver.

Fonte: 247, RBA