Branco, nulo, abstenção ou menos ruim?

Por Selvino Heck

Votasse eu no Rio, Freixo. Estivesse em Santa Maria, Valdeci. Em Canoas, Beth. Em Recife, João Paulo. Margarida, em Juiz de Fora. Mas, infelizmente, não estou nem voto em nenhuma destas cidades.

Muitos eleitores de Porto Alegre que, como eu, votaram no primeiro turno no Raulzão, Raul Pont, estão enfrentando debates intermináveis. Qual a melhor opção/decisão: votar em branco, anular o voto, ausentar-se da votação, sair para viajar, reunir a família e os amigos longe do portinho alegre? Ou votar no menos ruim e supostamente menos danoso para a cidade do Orçamento Participativo, do Fórum Social Mundial, a capital da participação social, a meca da esquerda (re)conhecida no mundo?

Fazer o que domingo 30 de outubro? Decisão difícil para quem como eu mora em Porto Alegre desde 1971 (com breve intervalo em Viamão e outro em Brasília), é militante político a vida inteira, mas nunca esteve colocado ante um dilema deste tamanho e qualidade, e que jamais deixou de votar em alguém em quase 40 anos como eleitor.

“Deu pra ti baixo astral, vou para Porto Alegre, tchau”? O que é certo, especialmente, para quem nos últimos tempos vinha esporadicamente a Porto Alegre: a cidade está abandonada, feia, descuidada. Parece mal amada, parece ter perdido a alma e o coração.

E não é apenas pela sensação de falta de segurança no cotidiano, ao deixar o carro estacionado em algum lugar, ou ao andar pelas ruas mais que conhecidas do Bom Fim, onde moro, ou na Redenção. Chega-se ao aeroporto, para ir ao centro ou à Rodoviária, e o viajante depara-se com os desvios provocados por uma obra na Avenida Ceará, na entrada da cidade, que não termina nunca. Os belos arcos da Borges de Medeiros, rua central e a mais importante da capital, vi outro dia e me estarreci, caminhando para uma manifestação contra o golpe: está lotada de barracas, lonas, colchões, parecendo acampados do MST ou do MNLM em luta por terra e moradia. Não são, me explicaram, acampados desses movimentos. É gente despejada, sem casa, deixada na rua, sem ter para onde ir. As calçadas estão feias, cheias de buracos, abandonadas. Os relógios de rua apagados. O Mercado Público, parcialmente destruído por um incêndio faz anos, não termina nunca a reforma do bonito andar de cima.

Nem no primeiro turno discutiu-se tanto o que fazer, em bares, festas, em tudo que é lugar. Como votar no porto alegre dos gaúchos, pelo menos entre os eleitores dos candidatos dispensados no primeiro turno? Fica-se pensando na melhor opção/decisão na fila do Cachorro do Rosário, o restaurante a céu aberto dos porto-alegrenses. Ou conversando, quando se está bem acompanhado ou mesmo sozinho na celebrada Lancheria do Parque de todas as cores políticas, especialmente as libertárias. Ou, pensativo, caminhando no Parque da Redenção cheio de luz e sombras ante as árvores e os troncos ainda caídos do vendaval do ano passado. Ou meditabundo, ao comprar uma erva, erva-mate por ‘supuesto’, nas bancas do Mercado Público.

E a campanha, alguém desavisado poderia perguntar, como está? Os dois candidatos são: Sebastião Melo, o vice-prefeito, PMDB, apoiado por uma penca de partidos, vice, Juliana Brizola do PDT, neta DELE. E Marchezan Jr., PSDB, filho do Marchezan líder do general Figueiredo na ditadura, seu vice é do PP, e apoiado por outra penca de partidos.

Uma das peças de comunicação do segundo turno é a seguinte. Quem apoia e quem critica quem? Olha-se: quem está no governo de quem? O PSDB de Marchezan está no governo de Melo, assim como o PP, vice de Marchezan. São oposição de si mesmo. O PTB está no governo municipal, teve candidatura própria no primeiro turno, agora apoia Marchezan e o PSDB, sem sair do atual governo do atual vice-prefeito que é candidato. Nenhum partido saiu do atual governo municipal, ou exigiu que seus CCs deixassem os cargos. Tampouco o vice-prefeito Melo e sua coligação exigiram que os aliados de governo e seus CCs, que são oposição na campanha, deixassem o governo. Dá para entender a salada de frutas, a falta de coerência? Um cobra do outro, o outro cobra do um. São todos ao mesmo tempo oposição e governo. Dormir como com um barulho desses?

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O segundo turno em Porto Alegre

Esta cidade reconhecidamente democrática, banhada pelo Guaíba, inundada de sol e energia, para pasmo meu e de muitos, virou faroeste, não caboclo, mas real. Tiroteio contra Comitês, morte/suicídio de coordenador de campanha, supostas campanas em ruas e casas de candidatos. Esta cidade historicamente da política, palco da Legalidade nos anos 1960, e com uma Esquina Democrática, assim nomeada nas Diretas-Já. Nela não se vê o atual prefeito na campanha, meu amigo Fortunati, apoiando publicamente seu vice-prefeito e candidato. Nem se ouviu na campanha o nome do governador do partido do candidato que é vice-prefeito e do seu ilegítimo presidente da República. Os partidos dos dois candidatos, Melo e Marchezan, estão no governo estadual e no federal, são base aliada do governo golpista e do governador que não paga os salários dos professores em dia. O atual prefeito, o governador e o presidente da República não existem nem aparecem na campanha. Ilustres ausentes ou desconhecidos.

Como votar? Em quem votar? Decisão mais que difícil, com argumentos para todos os gostos. Abster-se? Ausentar-se? Votar em branco? Fugir da responsabilidade? Não tomar posição? Tudo que está acontecendo não é comigo? Ou votar no supostamente menos ruim, no menos danoso, no que está menos centímetros à direita? Ou, enfim, anular o voto, rejeitando explicitamente as duas opções disponíveis?

Em momento algum da história desta valerosa cidade, amada e querida, haverá tantos eleitores ausentes, tantos votos brancos, tantos votos nulos. Ou cidadãos em frente à urna virando a cara para não enxergarem na tela o supostamente menos ruim em quem vão votar.

Não estou contemplado nesta jornada histórica. Pela primeira vez, anularei o voto (mesmo preservando Juliana Brizola, seu avô e seu partido). Vou continuar lutando nas ruas e em todos os espaços pela democracia, por valores como a solidariedade, a justiça, a igualdade. Quero Porto Alegre como cidade democrática, com Orçamento Participativo, com Fórum Social Mundial em janeiro de 2017, com povo nas ruas, a minha, a nossa Porto Alegre, um porto mais que alegre, um porto democrático, um porto com o melhor pôr do sol do mundo.

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Selvino Heck é deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).

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