“Ele Está de Volta”: MBL, Queer Museu & Bolsonaro: o fascismo entre nós

Lúcio da Costa

O filme “Ele Está de Volta” foi baseado no livro com o mesmo nome, escrito pelo alemãodownload Timur Vermes e publicado pela editora Eichborn Verlag em 2012.

A obra teve grande repercussão. Em março de 2014, foram vendidas 1.4 milhões de cópias na Alemanha. O livro também foi traduzido em 28 idiomas.

Em 2015 surgiu o filme, dirigido por David Wnendt, com roteiro do próprio Vermes.

Recentemente o NETFLIX incluiu o filme em seu catálogo, devidamente legendado.

O enredo mostra como seria se o ditador Adolf Hitler voltasse para a Alemanha dos dias de hoje. A idéia do filme é singela. O personagem de Hitler consegue um programa de televisão, e através dele, critica a classe política por sua “corrupção” e descaso com os trabalhadores e famílias alemãs. Claro, ninguém sabe que se trata realmente de Hitler voltando do mundo dos mortos — o que torna o enredo ainda mais impactante.

O filme mostra cenas reais de diálogos entre o ator e a população alemã. Entre várias selfies, o ator que interpreta o ditador nazista é abordado diversas vezes por apoiadores que declaram que o país precisa novamente de uma experiência nacionalista para trazer de volta “os bons costumes perdidos”.

O filme é uma critica a industria cultural, a mídia comercial e sua inclinação reforçar os discursos estereotipados eis que, são estes os que podem assegurar audiências mais amplas e, um alerta sobre a capacidade de legitimação e mobilização social que discursos construídos sobre preconceitos, medos e ódios podem adquirir em situações de crise econômico- social.

“Ele Está de Volta” ao colocar “Adolf Hitler” em contato com a televisão e a internet desvela o potencial que estes meios de comunicação têm hoje – como o tiveram nos anos 30 do século XX o rádio e cinema – de se prestarem a ferramentas de difusão e legitimação de discursos fascistóites.

O filme serve à reflexão e como alerta às gentes do Brasil tanto, em relação ao passado recente quanto, sobre o presente e o futuro próximo.

Em relação ao passado, o filme nos leva a refletir sobre a instrumentalização dos meios de comunicação e, em especial, dos jornalões e as empresas de televisão como instrumentos de mobilização de massas pela direita como, por exemplo, as manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma. Igualmente, remete as funcionalidades da web e das redes sociais às organizações de direita que, a partir daí criam, difundem e legitimam sua retórica de ódio e destruição do outro.

No tocante aos dias que correm o filme remete ao fechamento da mostra Queermuseu –20170911-clipboard01-1-600x343 Cartografias da diferença na América Latina,  na qual o Santander Cultural abriu suas portas para a primeira exposição queer realizada no Brasil.

A mostra trazia mais de 270 obras doe mais de 85 artistas, nacionais e internacionais, dentre os quais destacavam-se trabalhos de Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Lygia Clark, Adriana Varejão, Leonilson.

A exposição foi encerrada pelo Santander Cultural após campanha do MBL e adeptos nas redes sociais, em que se difundia que algumas obras faziam apologia a zoofilia e pedofilia, além de a mostra ter conteúdo pornográfico e ofensivo aos “valores cristãos”.

Inicialmente, os  ataques partiram da página oficial do MBL, que promoveu uma campanha de boicote ao banco, mas acabaram se espalhando por outros movimentos e grupos presentes nas redes sociais bem como, entre políticos de ultradireita,  a exemplo do deputado estadual Marcel Van Hattem (PP) e do secretário municipal de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário (PSDB.

Conivente com os ataques o banco Santander decidiu encerrar antecipadamente a exposição. Segundo Gaudêncio Fidélis, curador da exposição, a decisão do Santander Cultural de encerrar antecipadamente a mostra, “representa de fato um momento muito perigoso, trágico e com conseqüências gravíssimas para história da produção artística brasileira e para a liberdade de expressão”.

“Isso com certeza vai resultar no fato de que, daqui para frente, esses grupos de extrema-direita, extremamente reacionários, com ideologias obscuras, que são assustadoras francamente para o período da vida democrática que a gente vive, vão achar que podem decidir o que é que nós vamos ver, o que nós vamos ouvir, que espetáculo nós vamos assistir, o que pode ser publicado. Isso ficou muito claro no processo”, afirmou Fidélis.

Ao avaliar o significado da ação do MBL e o encerramento da exposição Fidélis afirmouimages que:

É um momento de muita gravidade, não estou falando como retórica, é uma questão concreta para nós. Tivemos uma exposição com 263 obras, de 85 artistas da mais alta relevância da produção artística brasileira, que foi fechada em 03 dias e meio de ataques sistemáticos do MBL, porque eles decidiram o que nós podemos e não podemos ver, com base em princípios moralistas que eles proclamam”.

O Conselho Estadual de Cultura gaúcho em nota veio a público “manifestar sua inconformidade diante da reação de intolerância que deu causa para o encerramento da exposição “Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira”.

Segundo o Conselho “queremos um Brasil livre de medos, de preconceitos, de discriminação, de intolerância, e por isso nos solidarizamos com o Curador e aos artistas da referida exposição”.

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Na tarde de terça-feira (12), foi realizada uma manifestação em favor da exposição chamada de “Ato pela Liberdade de Expressão Artística e Contra a LGBTTFobia” para às 15h30, na Rua 7 de setembro, nas proximidades do Santander Cultural. O evento está sendo promovido por entidades em defesa de direitos da comunidade LGBTT e páginas como Porto Alegre Sem Preconceito, Nuances, Somos, Igualdade, Juntos, entre outros.

Sobre o futuro próximo, o filme remete a necessidade da personagem Bolsonaro ser efetivamente tomada a sério.

O parlamentar, nome maior da ultra-direita local e pré-candidato às eleições presidenciais, lança mão de valores ditos “cristãos” para defender seu discurso de ódio contra os homossexuais, lésbicas e as mulheres; faz a apologia da ditadura militar, defendendo a tortura e o assassinato de centenas de pessoas que morreram durante esse período.

Minimizar a gravidade do fechamento pela ultradireita  da exposição  Queermuseu ou, ridicularizar Bolsonaro é uma atitude tão insensata e suicida quanto, tolerar e naturalizar a institucionalização do estado de exceção que vem sendo erguido no Brasil desde o golpe de estado midiático-jurídico- parlamentar que instalou Temer na presidência da República.

O Brasil desigual e autoritário que, sobre os escombros da Constituição de 1988 e da CLT ,21041021_115001792555598_1679265026562588672_n estão a erguer os golpistas é terreno fértil ao medo, ao ódio e a violência, ou seja, é terra aonde podem facilmente vicejar Bolsonaro e pragas ao estilo.

Não nos iludamos, nem subestimemos perigo que representam os MBls, Bolsonaro e sua alcateia.

Enfrentar o fascismo é questão de sobrevivência para as liberdades públicas e, de  sobrevivência física para os democratas.

“Ele Está de Volta” serve para assistir e rir, mas igualmente se presta à muito pensar e, por mãos a obra para erguer a resistência anti-fascista.